Já ouvi várias histórias parecidas. A pessoa decide que está na hora de se cuidar e finalmente procura uma academia. Fica animada, paga um plano longo, de três meses, seis meses ou até um ano. Compra tênis novo, algumas roupas de ginástica bonitinhas. Já se sente orgulhosa ao imaginar que dali a pouco estará em forma, exibindo disposição e um corpinho novo em folha.
Começa a experimentar algumas aulas da academia, recebe uma série para a musculação e sente as primeiras dores musculares. Por causa de seus gemidos ao sentar e levantar, todo mundo que trabalha com ela fica sabendo que começou a fazer exercícios. Ela ganha elogios e incentivos e acredita que vai dar tudo certo. Antes de terminar o mês, aparece uma preguiça na hora de levantar da cama. Ela decide dormir mais um pouco e deixar a academia para mais tarde. Ou para o dia seguinte, que logo vira a semana seguinte. E, em pouco tempo todo, o dinheiro que investiu na suposta nova fase de sua vida vai para o lixo – ou melhor, para o dono da academia, que faturou mais um plano sem precisar entregar o serviço.
Já me disseram que é disso que as academias vivem: cobrar mensalidades adiantadas de quem não vai treinar. Que a maioria dos matriculados aparece por lá nos primeiros dias e desaparece. Que até os personal trainers recebem adiantado e ficam sem aluno, porque grande parte das pessoas que resolvem começar uma atividade física não tem força de vontade suficiente para ficar. Acham que porque estão pagando darão um jeito de ir, mas desistem bem rápido. E olha que aula particular custa caro.
Por que tanta desistência? Teorias antigas tentam listar os inúmeros motivos para as pessoas não colocarem a atividade física entre suas prioridades. Pesquisando sobre o assunto na literatura, encontrei alguns fatores que pesam na tal força de vontade para começar e continuar uma prática regular de exercícios.
1. Estado de saúde. Se a pessoa está obesa, fuma ou tem problemas de humor, a probabilidade de permanecer num programa de exercícios tende a ser menor.
2. Sensação de “autoeficácia”. É mais fácil persistir quando a pessoa acredita que é capaz de realizar a tarefa.
3. Histórico satisfatório de prática física na infância. Gente que participou de atividades esportivas e lúdicas quando criança tende a gostar mais de se exercitar na fase adulta.
4. Motivação intrínseca. O prazer que a atividade em si proporciona faz uma grande diferença na vontade de voltar.
5. Apoio familiar e social. Se as pessoas a sua volta veem com maus olhos sua rotina de exercícios, fica mais difícil manter esse hábito entre as atividades mais importantes.
6. Conveniência. Tudo que fica longe, envolve congestionamentos, custa caro, atrapalha os planos e dá mais trabalho do que se pode suportar vira forte candidato à rejeição.
7. Percepção de tempo disponível. Quem acha que não tem tempo para se exercitar tem mais dificuldade para reservar tempo para isso sem culpa.
8. Percepção de esforço. Sentir que o exercício está difícil demais para suas aptidões, causando muitas dores ou muito desconforto reduz a motivação.
9. O envolvimento do professor. Contar com alguém que acompanhe a evolução no treino e se interesse verdadeiramente por ela costuma manter a vontade de treinar em alta.
10. Ocorrência de lesão. Quem se machuca uma vez ganha um motivo para ficar com medo do exercício e evitar repeti-lo.
11. Recompensa. O tempo que os resultados desejados demoram para aparecer interfere na percepção do valor da atividade.
12. Chande de escolha. A diferença entre o que dizem que é preciso fazer e o que cada um tem vontade de fazer pode ser uma chave fundamental para a permanência.
13. Sensação de (in)segurança. Se a atividade envolve ambientes perigosos, como correr ou andar de skate à noite num bairro sem policiamento, ficar em casa vendo TV ganha pontos na disputa.
14. Facilidade de mudar de planos. Quem opta por somente correr na rua, por exemplo, fica à mercê do mau tempo. Ter alternativas à mão ajuda a mater-se ativo.
Os teóricos dizem que esses fatores nunca aparecem isolados. Quem desiste da atividade física normalmente tem vários desses motivos para não fazer nada. Obviamente, quem permanece também tem vários motivos para renovar seu interesse na atividade.
Às vezes eu mesma me surpreendo com minha constância no hábito de me exercitar. Pois é claro que topei com fatores desmotivantes que poderiam ter me feito desistir. Já fiz aulas de ginástica chatas, já tive professores desinteressados, já tive de pagar mensalidades caras, já tive de carregar bolsa pesada com roupas, tênis e toalha para malhar e tomar banho depois do trabalho, já me machuquei várias vezes e já ouvi inúmeros comentários preconceituosos contra minha insistência em colocar minha prática regular na frente de várias outras atividades.
Mas pelo jeito os motivos para continuar foram mais fortes. Logo no começo, percebi os resultados em meu corpo – e no das outras pessoas também. Sempre fiquei atenta às técnicas de execução e às informações dadas pelos professores, então aprendi bastante e evoluí. Sentia sempre que podia fazer mais, e tinha êxito. Sempre encontrei, depois de procurar bem, a academia que mais me convinha frequentar, pela localização, o preço e a qualidade do serviço. Sempre fiz amizade com os professores. Sempre procurei dizer o que queria, para que me oferecessem o que melhor me atendesse. Quando algo não estava bom, eu mudava. Afinal de contas, eu gostava de me exercitar. O desafio era encontrar as condições certas para continuar do meu jeito.
Se você já tentou adotar o hábito da prática física regular e ainda não conseguiu se acertar, convido a examinar o que havia de bom e de ruim nas experiências anteriores, para procurar as soluções da próxima vez e não desistir mais. Além dos fatores acima, proponho alguns outros questionamentos que minha experiência mostra serem importantes.
1. Já se informou sobre todos os benefícios que a atividade proporciona?
2. Entendeu bem para que serve cada exercício?
3. Aprendeu alguma coisa com os professores?
4. Sentiu-se bom no que estava fazendo?
5. Tomou todos os cuidados para não se machucar?
6. Sentiu-se capaz de alcançar os resuldados desejados?
7. Percebeu resultados positivos?
8. Evoluiu na performance?
9. Recebeu pelo menos parte de sua recompensa?
10. A recomepensa que você espera é do tipo comer aquele doce? Se for, sugiro repensar seus objetivos e premiar-se com outro tipo de prazer.
11. Seu ambiente (casa, trabalho, bairro, cidade) induz mais à atividade física ou ao sedentarismo?
12. Alguém já criticou seu gosto pela atividade escolhida?
13. Seu chefe se cuida? Se ele entender a importância dos exercícios, poderá ver sua rotina saudável com melhores olhos.
14. Alguém está com você no objetivo de se cuidar?
Depois de indentificar os problemas que estão atrapalhando seus planos de finalmente se tornar uma pessoa ativa, sugiro esboçar o que seria a sua atividade física ideal. Tente estabelecer:
1. Qual a distância ideal entre o local da prática e sua casa ou local de trabalho;
2. Quanto tempo gostaria de ocupar com a atividade, incluindo os deslocamentos, o banho, o lanchinho depois etc.;
3. Quais sensações gostaria de ter antes, durante e depois do exercício (diversão, desafio, relaxamento, poder etc.);
4. Quais resultados realistas gostaria de ter no longo prazo;
5. Como quer ser visto pelos professores em relação à atividade (o melhor, o mais esforçado, o mais obediente, o mais criativo etc);
6. Como quer ser visto pelos amigos, pela família e pelos colegas de trabalho depois de algum tempo de prática (que bom que está se cuidando/ olha como está forte/ deveríamos fazer o mesmo/ cuidado com esse cara etc.);
7. Que tipo de pessoa quer encontrar no local da atividade (seus amigos, seus vizinhos, gente da sua tribo, qualquer tipo de pessoa, gente jovem, gente bonita, gente culta, idosos etc.);
8. Que tipo de música quer ouvir durante a atividade;
9. Em que que tipo de ambiente quer treinar (ao ar livre, com máquinas que fazem tudo por você, com TV a cabo e internet, numa sala isolada com incenso e almofadas, na sua casa etc.);
10. Que tipo de movimentos quer fazer (poucos, na posição sentada, deitada, acrobáticos, de dança, coreografados, ágeis, que envolvam força, que envolvam sair do chão, voos, na água, que envolvam vento no rosto, com ou sem impacto, calmos ou frenéticos etc);
11. Que tipo de professor quer ter (nenhum, do tipo que grita, do tipo calado, do tipo que cobra e incentiva, do tipo que só anima, homem, mulher, do tipo amigo, do tipo general, do tipo que só bate papo e não liga pro treino etc.)
12. Que tipo de roupa e calçado quer vestir (quase nada, bota, luvas, descalço, saia, tutu, meia calça, roupas da moda, camiseta velha etc.);
13. Quais riscos está disposto a correr (nenhum, leves ou fortes dores musculares, dores articulares, queda livre, porrada na cara, osso quebrado, joanete, cabelo bagunçado, maquiagem borrada, cheiro de suor, roupa molhada, cansaço, não ter o corpo dos seus sonhos tão rápido quando gostaria ou nunca etc.);
14. Do que está disposto a abrir mão (dormir até tarde, dormir pouco, happy hour, ir para a balada na véspera, fazer hora extra, comer como um porco, beber como um universitário idiota, cuidar do filho por duas ou mais horas algumas vezes por semana, o título de cara mais trabalhador da firma, toda e qualquer preguiça, um certo dinheiro para gastar com outra coisa etc.).
Com essas respostas, acredito que ficará mais claro para cada um o que falta fazer para transformar a prática física prazerosa e satisfatória num hábito. Quem fizer a tarefa de casa por favor me conte no que deu.
Fontes: Motivating people to be physically active, de Bess Marcus e LeighAnn Forsyth (Human Kinetics, 2003) e Factors determining exercise adherence, de Theresa Dwyre Young (2005). Por Francine Lima
Rê, adorei isso! Até mesmo porque fiquei estabelecendo a relação com outros hábitos que os humanos cultivam ao longo da vida; como são hábitos, a resistência em substituí-los por outros melhores (mais adequados) é grande, mas só a persistência, com foco nos benefícios futuros (e não nos imediatos!) dará os resultados desejados.
ResponderExcluir